23/05/2011

Paulo Leminski

Contranarciso 

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas


o outro
que há em mim
é você
você
e você


assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós.

Paulo Leminski ( 1985. p.12)

29/01/2011

noemi: Divulgando no blog escritablospot.com

noemi: Divulgando no blog escritablospot.com: "http://escritablog.blogspot.com/2011/01/lancamentos_29.html Lançamento “Portas Abertas: Poética do Cotidiano” é o primeiro livro de poe..."

21/06/2010

José Saramago morre aos 87 anos.

Science-fiction I


Talvez o nosso mundo se convexe
Na matriz positiva doutra esfera.

Talvez no interspaço que medeia
Se permutem secretas migrações.

Talvez a cotovia, quando sobe,
Outros ninhos procure, ou outro sol.

Talvez a cerva branca do meu sonho
Do côncavo rebanho se perdesse.

Talvez do eco dum distante canto
Nascesse a poesia que fazemos.

Talvez só amor seja o que temos,
Talvez a nossa coroa, o nosso manto.


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

26/02/2010

Liberdade ao Cubo

Liberdade ao cubo


Eu gritei.


Eu falei.


Estavam todos surdos;


Esse som bateu na barreira que eles próprios criaram e o eco foi:


Socorro! Socorro!


Desci à uma cova profunda, um abismo;


Desci sozinha e me vi bem assim:


Coberta de lodo e de desespero.


E então gritei aos berros timidamente e longe de todos;


As paredes ouviram e calaram-se;


Abafaram os meus gemidos;


Comprimiram-me até de novo explodir n´ua loucura


Da largura, profundidade e altura maior que o mundo cheio de surdos, cegos e tolos;


Tacanhos de mente e de alma.


Incompreendida eu fui,


Incompreendida fiquei


No fundo da terra a clamar


Entre paredes torturantes gritando;


Fiquei assim por um espaço de tempo tão eterno que me perdi, sim, no tempo.


Só havia a lua;


Tinha medo do sol.


Uma dimensão infinita aos outros; sim, todos eles;


Mas não infinita a Você.


Você me cuidou.


Você me ouviu.


Eu clamei e estavas comigo,


Chorando minha dor como um amigo;


Velando os meus passos trementes;


De toda a minha alma consciente.


Eu vi a oração respondida


Libertando-me aos poucos;


O suficiente para eu entender


O quão longe eu andei.


Eu te peço: Liberta-me!


Eu te clamo: Alcança-me!


LIBERTA-ME, oh Deus!!!


Autora Rosely T. Sales


Poema enviado pela Renata

22/02/2010

Rola Mundo

Rola mundo

Vi moças gritando
numa tempestade.
O que elas diziam
o vento largava,
logo devolvia.
Pávido escutava,
não compreendia.
Talvez avisassem:
mocidade é morta.
Mas a chuva, mas o choro,
mas a cascata caindo,
tudo me atormentava
sob a escureza do dia,
e vendo,
eu pobre de mim não via.

Vi moças dançando
num baile de ar.
Vi os corpos brandos
tornarem-se violentos
e o vento os tangia.
Eu corria ao vento,
era só umidade,
era só passagem
e gosto de sal.
A brisa na boca
me entristecia
como poucos idílios
jamais o lograram;
e passando,
por dentro me desfazia.

Vi o sapo saltando
uma altura de morro;
consigo levava
o que mais me valia.
Era algo hediondo
e meigo: veludo,
na mole algidez
parecia roubar
para devolver-me
já tarde e corrupta,
de tão babujada,
uma velha medalha
em que dorme teu eco.

Vi outros enigmas
à feição de flores
abertas no vácuo.
Vi saias errantes
demandando corpos
que em gás se perdiam,
e assim desprovidas
mais esvoaçavam,
tornando-se roxo,
azul de longa espera,
negro de mar negro.
Ainda se dispersam.
Em calma, longo tempo,
nenhum tempo, não me lembra.

Vi o coração de moça
esquecido numa jaula.
Excremento de leão,
apenas. E o circo distante.
Vi os tempos defendidos.
Eram de ontem e de sempre,
e em cada país havia
um muro de pedra e espanto,
e nesse muro pousada
uma pomba cega.

Como pois interpretar
o que os heróis não contam?
Como vencer o oceano
se é livre a navegação
mas proibido fazer barcos?
Fazer muros, fazer versos,
cunhar moedas de chuva,
inspecionar os faróis
para evitar que se acendam,
e devolver os cadáveres
ao mar, se acaso protestam,
eu vi: já não quero ver.

E vi minha vida toda
contrair-se num inseto.
Seu complicado instrumento
de vôo e de hibernação,
sua cólera zumbidora,
seu frágil bater de élitros,
seu brilho de pôr de tarde
e suas imundas patas...
Joguei tudo no bueiro.
Fragmentos de borracha
e cheiro de rolha queimada:
eis quanto me liga ao mundo.
Outras riquezas ocultas,
adeus, se despedaçaram.

Depois de tantas visões
já não vale concluir
se o melhor é deitar fora
a um tempo os olhos e os óculos.
E se a vontade de ver
também cabe ser extinta,
se as visões, interceptadas,
e tudo mais abolido.
Pois deixa o mundo existir!
Irredutível ao canto,
superior à poesia,
rola, mundo, rola, mundo,
rola o drama, rola o corpo,
rola o milhão de palavras
na extrema velocidade,
rola-me, rola meu peito,
rolam os deuses, os países,
desintegra-te, explode, acaba!

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Sentimento do Mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.


Carlos Drummont de Andrade