Vida Cotidiana : entre poetas e poesia
23/05/2011
Paulo Leminski
29/01/2011
noemi: Divulgando no blog escritablospot.com
21/06/2010
José Saramago morre aos 87 anos.
Talvez o nosso mundo se convexe
Na matriz positiva doutra esfera.
Talvez no interspaço que medeia
Se permutem secretas migrações.
Talvez a cotovia, quando sobe,
Outros ninhos procure, ou outro sol.
Talvez a cerva branca do meu sonho
Do côncavo rebanho se perdesse.
Talvez do eco dum distante canto
Nascesse a poesia que fazemos.
Talvez só amor seja o que temos,
Talvez a nossa coroa, o nosso manto.
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
26/02/2010
Liberdade ao Cubo
Liberdade ao cubo
Eu gritei.
Eu falei.
Estavam todos surdos;
Esse som bateu na barreira que eles próprios criaram e o eco foi:
Socorro! Socorro!
Desci à uma cova profunda, um abismo;
Desci sozinha e me vi bem assim:
Coberta de lodo e de desespero.
E então gritei aos berros timidamente e longe de todos;
As paredes ouviram e calaram-se;
Abafaram os meus gemidos;
Comprimiram-me até de novo explodir n´ua loucura
Da largura, profundidade e altura maior que o mundo cheio de surdos, cegos e tolos;
Tacanhos de mente e de alma.
Incompreendida eu fui,
Incompreendida fiquei
No fundo da terra a clamar
Entre paredes torturantes gritando;
Fiquei assim por um espaço de tempo tão eterno que me perdi, sim, no tempo.
Só havia a lua;
Tinha medo do sol.
Uma dimensão infinita aos outros; sim, todos eles;
Mas não infinita a Você.
Você me cuidou.
Você me ouviu.
Eu clamei e estavas comigo,
Chorando minha dor como um amigo;
Velando os meus passos trementes;
De toda a minha alma consciente.
Eu vi a oração respondida
Libertando-me aos poucos;
O suficiente para eu entender
O quão longe eu andei.
Eu te peço: Liberta-me!
Eu te clamo: Alcança-me!
LIBERTA-ME, oh Deus!!!
Autora Rosely T. Sales
22/02/2010
Rola Mundo
Vi moças gritando
numa tempestade.
O que elas diziam
o vento largava,
logo devolvia.
Pávido escutava,
não compreendia.
Talvez avisassem:
mocidade é morta.
Mas a chuva, mas o choro,
mas a cascata caindo,
tudo me atormentava
sob a escureza do dia,
e vendo,
eu pobre de mim não via.
Vi moças dançando
num baile de ar.
Vi os corpos brandos
tornarem-se violentos
e o vento os tangia.
Eu corria ao vento,
era só umidade,
era só passagem
e gosto de sal.
A brisa na boca
me entristecia
como poucos idílios
jamais o lograram;
e passando,
por dentro me desfazia.
Vi o sapo saltando
uma altura de morro;
consigo levava
o que mais me valia.
Era algo hediondo
e meigo: veludo,
na mole algidez
parecia roubar
para devolver-me
já tarde e corrupta,
de tão babujada,
uma velha medalha
em que dorme teu eco.
Vi outros enigmas
à feição de flores
abertas no vácuo.
Vi saias errantes
demandando corpos
que em gás se perdiam,
e assim desprovidas
mais esvoaçavam,
tornando-se roxo,
azul de longa espera,
negro de mar negro.
Ainda se dispersam.
Em calma, longo tempo,
nenhum tempo, não me lembra.
Vi o coração de moça
esquecido numa jaula.
Excremento de leão,
apenas. E o circo distante.
Vi os tempos defendidos.
Eram de ontem e de sempre,
e em cada país havia
um muro de pedra e espanto,
e nesse muro pousada
uma pomba cega.
Como pois interpretar
o que os heróis não contam?
Como vencer o oceano
se é livre a navegação
mas proibido fazer barcos?
Fazer muros, fazer versos,
cunhar moedas de chuva,
inspecionar os faróis
para evitar que se acendam,
e devolver os cadáveres
ao mar, se acaso protestam,
eu vi: já não quero ver.
E vi minha vida toda
contrair-se num inseto.
Seu complicado instrumento
de vôo e de hibernação,
sua cólera zumbidora,
seu frágil bater de élitros,
seu brilho de pôr de tarde
e suas imundas patas...
Joguei tudo no bueiro.
Fragmentos de borracha
e cheiro de rolha queimada:
eis quanto me liga ao mundo.
Outras riquezas ocultas,
adeus, se despedaçaram.
Depois de tantas visões
já não vale concluir
se o melhor é deitar fora
a um tempo os olhos e os óculos.
E se a vontade de ver
também cabe ser extinta,
se as visões, interceptadas,
e tudo mais abolido.
Pois deixa o mundo existir!
Irredutível ao canto,
superior à poesia,
rola, mundo, rola, mundo,
rola o drama, rola o corpo,
rola o milhão de palavras
na extrema velocidade,
rola-me, rola meu peito,
rolam os deuses, os países,
desintegra-te, explode, acaba!
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
Sentimento do Mundo
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
Carlos Drummont de Andrade